Donald Trump transformou o Salão Oval num boteco da periferia
Donald Trump armou o seu picadeiro da geopolítica no Salão Oval da Casa Branca, em 28 de fevereiro. O mandarim americano se preparou para mais um espetáculo explícito de humilhação planetária. Estava trajado com o mais caro terno da sua coleção. A contraditória gravata vermelha completava o figurino. Jornalistas do mundo inteiro acompanhariam a performance. Desta feita, a vítima seria o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
O ator europeu chegou tenso, com semblante abatido. Aparentava cansaço. A princípio, era apenas uma criatura digna de dó. Usava o seu já tradicional uniforme de combate. Uma blusa de malha escura e surradas calças da mesma cor. O objetivo do encontro bilateral era a autorização para a exploração da riqueza mineral do subsolo ucraniano pelos norte-americanos. Trump afirma que essa iniciativa seria a compensação pelos recursos que o ex-presidente Joe Biden repassou à Ucrânia, desde o início do conflito com a Rússia. Na conta do republicano, essa cifra estaria na casa dos US$ 500 bilhões. Trata-se de deslavada mentira. O valor correto é US$ 190 bi.
A negociação incluiria um cessar-fogo e imediata retirada das tropas russas das áreas ocupadas. A pancadaria do Leste Europeu provocou a morte de 46 mil soldados ucranianos em três anos. Outros 390 mil estão feridos. O falastrão da América do Norte preparou o cenário para o seu triunfo midiático. Bancaria a assinatura de fictício acordo de paz e, em troca, usurparia minerais de uma nação soberana.
Tudo caminhava bem até que o espírito do imponderável baixou na paisagem. Zelensky, ao vivo e em cores, afirmou que só concordaria com a proposta se os EUA garantissem que o “czar” Vladimir Putin cumpriria a sua parte no tratado. Bastou essa exigência para o caldo entornar. Trump se sentiu desafiado, reagiu aos gritos e tentou intimidar o seu interlocutor. Surpresa geral. Volodymyr — um já veterano do campo de batalha — respondeu no mesmo tom. A Casa Branca, então, virou um barraco. A partir daí, aconteceu a mais improvável baixaria no teatro das relações internacionais. O Salão Oval se transformou num boteco de periferia. Os dois “botequeiros” quase colocaram as respectivas mães no meio do bate-boca. O estadista ucraniano botou um ponto final na conversa e voltou para casa.
O episódio bizarro foi didático e deixou algumas lições. Donald Trump (um arrivista sem escrúpulos) não tem amigos, apenas interesses pessoais. E não se iludam. A pátria de Tio Sam é apenas a segunda opção na vida dele. Os negócios das empresas Trump estão em primeiro lugar. Donald implantou o deal-making na diplomacia. Esse mecanismo funciona na base do “nós é nós (sic), o resto é resto”.
A Europa e o “resto do mundo” necessitam rever as tradicionais práticas das relações na “aldeia global”. O pragmatismo atual ficou obsoleto depois da ascensão do “Big Pic” ao poder. Esse é o momento exato (e necessário) para a demolição de paradigmas. Hoje em dia, o planeta anda refém de personagens perigosamente exóticas: Donald Trump e Elon Musk, duas entidades complexas, autoritárias, arrogantes e egocêntricas. A qualquer momento, Trump e Musk baterão de frente. Esta seria a ocorrência ideal para a Terra.
P.S.: Tenho o pressentimento de que Donald Trump não concluirá o mandato. A ver.
Fernando Silva é jornalista e escreve sobre política em Caraça FM.
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